Manoel Barreto

Escrever é meu divã. Escrever é meu teatro. Não me procure em minhas palavras, pois não me econtrará

Textos

UM MUNDO SEM POESISA
1º de janeiro de 2057. Início de mais um ano novo. Este, entretanto, diferente de todos os outros anos novos, já registrados na história da humanidade. Ao amanhecer, o sol não desponta com seus raios luminosos e fulgurantes. Os olhos humanos procuram pela luz da estrela de quinta grandeza, do nosso sistema planetário, mas não a encontram.
A comemoração pela virada de ano ocorrera, aparentemente, bem. As pessoas entregavam-se as suas concupiscências, paixões e desejos, apetites e bebedices desenfreadas. Tudo isso como se fosse o último dia de suas vidas.
Todo o egoísmo e maldade, que até agora, tinha se mostrado tênue, aflora, emerge com toda a sua intensidade escarlatina. Os homens correm como loucos em busca de algo que eles não sabem o que é. A sensibilidade humana está embrutecida.
Não existe mais solidariedade, e muito menos, a compaixão. Nas faces dos homens não se vê mais os músculos de expressão do sorriso. Nas faces só há uma sisudez, um semblante de chumbo, um olhar fulminante, ferino e mortal.
Das bocas dos homens não saem mais panegíricos. A maldade impera nos corações. Já não existe mais, nem um sequer, filantropo. Homens e mulheres, jovens e crianças desfalecem em meio as trevas. Os corações racham. Os cérebros fundem-se em suas caixas cranianas.
A palavra (amor) está eclipsada. Os seres humanos não conseguem pronunciar tais fonemas. O ódio, o rancor, a ira, a contenda, a discórdia andam de mãos dadas. Elas sorriem e gargalham com tons e sons diabólicos, que fazem vibrar, com suas ondas, a mais embrutecida e embotada alma. Um pandemônio. Uma celeuma.
As pessoas tentam encontrar em seus arquivos memoriais alguma palavra, algum gesto, alguma atitude, alguma recordação, por mínima que seja – que possa refrigerar as suas almas, que possa trazer-lhes conforto, mas não as encontram.
As crianças perderam as suas inocências. Choram e gritam como se fossem pequenas bestas-feras. As mães não mais ligam para os sofrimentos de seus filhos. As úberes, das mães, não produzem mais o líquido precioso. Secaram-se. Os úteros foram amaldiçoados com a infertilidade.
Esta cena apocalíptica, catástrofe da humanidade, se passa em todo o globo terrestre. Maldita Pandora! A esperança morreu!
Só resta agora caminhar direito ao suplício, ao tormento da humanidade: consciência culpada.
Um dia a humanidade desdenhou, zombou com seus escárnios vilipendiosos dos poetas. Ela clamou e suplicou para que a sociedade dos poetas juntamente com as poesias fossem extintas. De que nos vale a poesia, diziam os homens. E todos, sem exceção, concertaram em uníssono: é preciso extingui-la de nosso meio.
E assim, se cumpriu. Todos os poetas foram mortos. Todos os livros de poesias foram incinerados. Leis foram criadas para abolir das instituições de ensinos, toda e qualquer manifestação poética. E aqueles que não cumprissem a lei pagariam com a própria vida.
Os homens não sonhavam mais. As fantasias não mais existiam.
O mundo tornou-se opaco. Os astros celestiais, fontes de inspiração dos poetas, fugiram das faces dos homens. A natureza enlutou-se.
As rosas exalam um odor fétido, nauseabundo. O canto dos pássaros, que outrora trazia alegria aos homens, era agora lúgubre, pressagioso, agorante.
E agora, a humanidade estava pagando um alto preço. Ela tornara-se vil e desregrada. Caminha em passos largos para o seu fim. Pois, a poesia, instrumento de toda sensibilidade e beleza, não existe mais.
Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 01/09/2011
Alterado em 29/11/2013


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