Manoel Barreto

Escrever é meu divã. Escrever é meu teatro. Não me procure em minhas palavras, pois não me econtrará

Textos

O HOMEM É O LOBO DO HOMEM
     Bela manhã de domingo! O sol lá fora é convidativo e as pessoas caminham distraidamente. Há muitas coisas especiais programadas para hoje, como, por exemplo, almoçar com alguns amigos um delicioso e suculento churrasco à brasa. Ah! Hoje também é dia de eleição, 2° turno, para prefeito aqui, em Belém do Pará. Bom! Isso não posso dizer que é um tanto ou quanto especial, mas, também, não posso negar a sua importância, para a sobrevivência da nossa tão sonhada Democracia.
     Ainda são aproximadamente 9 horas. O tráfego de veículos já está bastante intenso. O numero de pedestre já está bastante considerável também. O calor do sol parece superaquecer o calor humano dos transeuntes e dos condutores dos veículos.
     Preparo-me para ir ao supermercado com a minha esposa. De repente, todos em casa ouvimos o som das vozes das pessoas que trafegam lá fora. A intensidade do som aumenta cada vez mais. Percebo no olhar do meu filho quando o direciona para a rua, que está acontecendo algo anormal. Minha esposa corre em direção ao pátio da casa. Corro também. Minhas conclusões estavam certas. Estava realmente acontecendo algo anormal. Era uma grande discussão de dois motoristas, cada um era responsável por um carro com a logomarca da telefonia OI, contra um motociclista e um garupa.
     No começo, eram apenas ofensas recíprocas. Mas os ânimos de todos que trafegavam pela rua se exaltaram influenciados pela troca de ofensas dos dois motoristas e do motociclista e também pelo calor do sol, que abrasava a todos. As vozes eram uníssonas. Todos gritavam e expressavam as suas indignidades contra os dois motoristas prestadores de serviço da telefonia OI.
     Fico refletindo e indigno-me com o comportamento irracional do ser humano. Indigno-me também pela fome exacerbada, pelo desejo exagerado, pela propensão viciada na autotutela, em outras palavras, “fazer justiça com as próprias mãos”.
     Os transeuntes gritavam uma hora aos motoristas: “vocês estão errados, cara!!!”, “cala a boca!!!”, “estão errado mesmo e ainda querem tê razão?!!” Os motoristas não perdiam a vez e também gritavam alguns impropérios. Impropérios estes que minha consciência não me permite transcrevê-los. Em outra hora os transeuntes gritavam ao motociclista: “é isso mesmo!!!”, “quebra o vidro desse carro!!!”, “vai! Eles estão errados, quebra logo o vidro!!!”.
     Neste momento um dos motoristas desce do carro e faz alguns gestos ora com uma das mãos ora com as duas. O motociclista também desce da sua moto e dirige-se em direção ao motorista. Os ânimos, nesse momento, estão à flor da pele. É ai que o outro motorista desce rápido do carro e corre em direção ao motociclista ...
     Nossa! O meu coração está acelerado. Começa a surgir um sentimento estranho dentro de mim. A atmosfera é contagiante. Sinto vontade de tomar partido e ajudar ao motociclista. Sinto aversão, nesse instante, de mim mesmo porque sei que existem órgãos responsáveis em fazer justiça de modo competente e imparcial.  
     ... e desfere um soco no rosto do motociclista. O outro motorista, o qual apenas gesticulava com as mãos, corre em direção ao seu carro, pega uma barra de ferro e ameaça de desferir golpes no motociclista. A turba acovarda-se e ninguém busca apaziguar. O meu coração está a mil por hora. Cresce dentro de mim uma raiva. Procuro fingir a mim mesmo que não estou sentindo nada. Volto para a sala a fim de me acalmar. Nossa!
     O motociclista sobe em sua moto, muitíssimo nervoso, e sai derrapando e em alta velocidade. O semblante dele era de quem iria buscar socorro. As expressões faciais dele diziam que iria buscar algo, quem sabe uma arma de fogo ou até mesmo uma arma branca, com a qual faria justiça, lavaria sua honra com sangue, se preciso fosse, afinal de contas, vivemos em uma época em quem ninguém quer levar desaforo pra casa. A vida alheia já não tem mais tanta importância, nesta geração. Perdoar, dar o outro lado da face, para ser batido, isso nunca! Isso é vexatório! É demonstração de fraqueza!
     Ao ver as pessoas incentivando, induzindo, gritando, vociferando, ululando, parecendo seres irracionais, destituídos de sentimentos nobres, sem amor, sem compaixão, sem altruísmo, lembrei-me da narrativa bíblica, na qual relata o momento em que Jesus Cristo foi apresentado por Pilatos, à multidão. E ela gritava de maneira ensandecida: “crucifica-o! crucifica-o!” É incrível como a voz da multidão tem o poder de influenciar aqueles que se aproximam dela, mesmo que saibamos que ela está equivocada. Pilatos deixou-se conduzir pelos gritos da multidão mesmo tendo plena certeza de que Jesus Cristo é inocente.
     Tomarei aqui a frase de Thomas Hobbes emprestada, desculpe-me os filósofos, para finalizar essas minhas considerações: “o homem é o lobo do homem”.
    
Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 29/10/2012
Alterado em 31/10/2012
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