Manoel Barreto

Escrever é meu divã. Escrever é meu teatro. Não me procure em minhas palavras, pois não me econtrará

Textos

COISAS DE PAI
         --- Senhor...  senhor..., falou um rapaz.
     O homem parou e procurou quem lhe dirigira a palavra.
     O instinto de pai já lhe avisara, logo pela manhã, que algo aconteceria nesse dia. Era um final de tarde. Um sábado. Os últimos raios do sol ainda tentavam sobreviver à escuridão da noite, que vinha toda cheia de si, como uma criança que não pede licença para entrar. Ele acabara de sair da igreja. Seu espírito estava em paz com Deus e com os seus semelhantes. Houvera pedido perdão por todos os seus pecados.
     Mirou os seus olhos nos olhos do rapaz, um jovem de 17 anos, e procurou perscrutar o íntimo de seu interlocutor. Houve uns rápidos milésimos de segundos entre a troca de olhares e o inicio do diálogo, mas tempo suficiente para saber que o assunto não lhe seria agradável.
     Todas as pessoas que estavam em frente à igreja estavam felizes. Sorriam umas para as outras; existiam aquelas que sorriam de si para si mesmas. As gentes que passavam também pareciam felizes e despreocupadas com as tribulações da vida cotidiana.
     Porém, aquela abordagem feita pelo jovem parece que trouxera uma penumbra sobre o espírito daquele senhor.
     --- Diga, meu jovem! Falou deixando transparecer certa amabilidade no tom de voz e no leve sorriso gentil. Não podia mostrar-lhe o seu descontentamento e nem a sua surpresa ao ser abordado. Sua vontade era fingir que não tinha ouvido ninguém lhe dirigir palavra. Sua vontade era continuar andando levemente despreocupado em direção a sua casa. Tudo isso para não dar tempo que se cumprisse o que seu instinto tentava revelar-lhe. Afinal o dia estava quase terminado. Faltavam apenas alguns minutos. E na segurança de seu lar, ele estaria seguro contra qualquer conspiração do destino, contra qualquer conspiração do ciclo natural da vida.
     --- Boa tarde... boa noite... queria um minuto de sua atenção, por favor, disse o jovem rapaz, com voz trêmula, quase gaguejando.
     --- Pois não! Diga o que você deseja, respondeu o senhor. A impressão que esse senhor tinha era que todos os que estavam por perto podiam ouvir o tum-tum-tum de seu coração. Mas mantinha–se firme. Mostrava postura de dominador da situação a fim de o jovem não percebesse o nervosismo, que lhe devorava por dentro. Sentia a garganta secar-se. Os olhos fitava o rosto do rapaz, no entanto não via nada a sua frente. Era como se naquele momento fosse desconectado da tomada. Tudo isso em momentos breves.
     --- Bom... o assunto que quero conversar com o senhor, é um assunto muito importante para mim. É um assunto... uma conversa que preciso conversar com o senhor, dizia o rapaz de maneira repetitiva, de maneira redundante. Parecia que estava andando em círculo. O jovem rapaz não conseguia esconder o seu nervosismo. A falta de experiência de vida conspirava contra ele.
     Quanta diferença entre os dois interactantes! Um, já vivido, “gato escaldado”, sabia muito bem ludibriar o nervosismo diante de uma conversa. Sabia impressionar o seu adversário com sua postura imponente, com voz sua grave, com seu olhar intimidador, o outro, ainda muito jovem, não tinha a perspicácia e astúcia, que as renhidas da vida ensinam a todos nós.
     --- Hum! Vamos sair daqui, pelo jeito deve ser um assunto muito importante. Percebo que você está muito nervoso, vamos até a praça, para que se sinta mais a vontade, respondeu o senhor.
     --- Então vamos, disse-lhe o jovem rapaz.
     Os dois seguiram em direção à praça. E enquanto atravessavam a rua que separa a igreja da praça, ambos pensavam e elaboravam as sua falas. Os seus argumentos e contra-argumentos.
     O senhor senta-se em um dos bancos da praça para demonstrar que estava completamente despreocupado e dono de si. O rapaz mantém-se em pé de frente para o seu interlocutor. Houve algum pequeno instante de silêncio. Mas a comunicação não verbal já começara. Os olhos, os semblantes, os gestos repetitivos das mãos e dos pés, de ambos, falavam. Tudo isso os deixava aflitos. O senhor, que na sua larga experiência, já imaginava o que tratava o assunto, por isso já saberia como responder as solicitações do jovem. Já o jovem rapaz, ainda muito tenro, no que diz respeito a experiências da vida, tentava demonstrar hombridade, maturidade...
     Enquanto isso, o senhor movimenta levemente a cabeça, pois sentira que estava sendo observado por alguém do outro lado da rua, em frente à igreja. Ao lançar o olhar cruza-o com o olhar de sua filha. Ela estava junto a um grupo de amiguinhas, o seu olhar tentava comunicar algo, um pedido ao pai.
     Naquele momento, o senhor não teve mais dúvida quanto ao seu pressentimento. Seu coração acelerou novamente.   O seu instinto protetivo de pai tentou dominá-lo. E por pouco não conseguiu. Sentiu algo muito estranho. Algo que até então não havia sentido. Mas a política da polidez fê-lo um homem, nesse momento, completamente temperante.
     Ele volta a olhar para a sua filha. Ela continuava no mesmo lugar, com a mesma singeleza e atitude pueril. Ainda não tinha abandonado as características da adolescência. Ela tinha somente 16 anos. Era a única filha. Era a sua princesa. A sua menina. A sua criança. O seu bebê.
     Aquele foi o momento em que, aquele senhor, se dera conta que o tempo tinha passado e que a sua filha estava se tornando uma jovem mulher. Dera-se conta de que estava chegando o dia tão temido por ele: o dia em que a sua linda filha teria que encontrar um jovem homem e então unir-se, conforme o dizer bíblico: “deixará pai mãe e se tornará uma só carne”. Ah! Doíam-lhe esses dizeres em seu coração. No entanto aquele senhor sabia que não poderia fugir de tal situação. O amor de pai cegava-lhe, não consegui ver que sua filha estava crescendo e que estava respondendo aos caprichos da natureza humana: amar, namorar, casar-se...
     O jovem fez um barulho, uma espécie de grunhido como se quisesse tirar algo da garganta, algo que o estava impedindo de falar e de repente diz:
     --- Eu gostaria de na.. na.. namorar com a sua filha... se o senhor deixar, claro. Eu gosto dela e acho que ela gosta de mim também.
     Isso era tudo o que aquele senhor temia ouvir. Mas ouviu e não podia fingir que não ouvira. Foi como receber um choque de um desfibrilador. Não poderia permitir que roubassem sua filhinha. A sua cabeça fez o gesto de positivo,  mas o seu coração dizia que não. Aquele senhor saiu dali em silêncio e nunca mais foi o mesmo homem. Agora estava mais maduro do que antes. Jamais imaginara que pudesse aprender algo com os adolescentes.
Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 29/11/2012
Alterado em 20/11/2013
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