SAUDADES
Alguns gramatiqueiros dizem que SAUDADE não tem plural, ou seja, não existe saudadeS. Outros dizem que existe. Eu prefiro ficar com a opinião do segundo grupo porque ontem eu senti muita, muita, muita saudadeS de minha mãe, a nossa querida Professora Lília Rodrigues. Até posso concordar que alguns substantivos abstratos não recebam a marca do plural. Saudade é um substantivo abstrato segudo a gramática normativa. Mas o sentimento que me abateu à alma foi deveras concreto. Daí, posso dizer que senti saudades de minha mãezinha.
“As saudades” que senti tomou conta de mim sem pedi permissão e sem avisar que vinha. Foi tudo de repente. Quando me peguei estava olhando para dentro de mim e vendo imagens que pensei que tivessem sido apagadas. Pude perceber nesse instante o quanto existe em mim um bastante dela: o seu temperamento, o seu modo de agir, o seu modo de educar, o seu modo de ensinar e até mesmo um lugar em minha casa que é MEU e quando chego e encontro o um de meus filhos nesse lugar o ponho para correr. Nessa viagem dentro de mim, vim a sua imagem, era como uma pintura em um quadro, com molduras de ouro, pintado pela vida e pelo tempo em que vivemos juntos, ali estava ela sentada em sua cadeira de embalo feita de madeira de cor negra e com assento e encosto de vime, sempre perto da televisão. Bem ali, aquele cantinho da sala, era como um lugar sagrado, um confessionário. Era ali que ela, sempre cheia de sabedoria e graça, ouvia a todos que precisassem de um bom conselho ou de um ombro amigo. Ah! Que saudades desse momento. Ah! Que saudades de seus conselhos, como eu os queria agora, nesse exato momento. Nessa viagem eu pude vê-la sentada, ao cair da noite, em sua mesma cadeira em frente de nossa casa. Pude vê-la saindo de casa com os seus diários de classe em direção ao Colégio Benjamim Constant, para ministrar aulas de Geografia e História. Pude vê-la ir até diretoria do colegio, para me tirar do castigo por ter brigado com algum colega da turma. Pude vê-la na fila do leite, no antigo Supermercado São João, hoje Supermercado Líder, para garantir que não nos faltasse o “leite nosso de cada dia”, pois vivíamos, naquele período, o tão falado “congelamento de preços” da mercadorias, à época do ex-presidente Sarney. Cada família só tinha direito a uma ou duas latas de leite. E ali estava ela, na fila, brigando pelo alimento de sua família. Que tempo bom, que não volta nunca mais.
Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 09/07/2013
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