Manoel Barreto

Escrever é meu divã. Escrever é meu teatro. Não me procure em minhas palavras, pois não me econtrará

Textos

PALAVRAS SAFADAS

Dizem que a origem do termo “safada” remonta a Grécia Antiga, na qual, segundo as más línguas, existia uma “mulher” conhecida por “Safo” e que morava em uma ilha denominada “Lesbos”. Daí advém outro termo, mas que não nos convém citar, para não fugir do assunto.
Há algum tempo distante, mas não tão remoto, usar tal expressão ou qualquer outra do gênero era uma ofensa aos bons costumes e a pessoa que a pronunciasse publicamente estaria destinada a sofrer a terrível injúria de seu ouvinte a “lavar a boca com sabão!”. Essa era a sentença que meus tutores sempre reiteravam a mim quando não conseguia conter minha língua e falava alguma asneira. Recordo-me de um dia ter ido com minha mãe comprar roupas para mim em uma loja do Y. Yamada, no centro comercial, na avenida treze de maio; ali, a vendedora trouxe algumas roupas, a pedido de minha mãe, e mostrou-me, fazendo-me a seguinte pergunta – “que tal, menino, gostou?!!!! O tom de sua voz era como a de quem havia acertado o alvo do meu gosto. Eu, sem pensar e meditar nas palavras soltei a que primeiro veio à cabeça – “não, tá muito escrota!!!” Naquele mesmo instante a voz de minha mãe reverberou em meus ouvidos, dizendo – “que palavra é essa?!!!! Tu não tem educação, não?! Peça já desculpa! E quando a gente chegar em casa, você vai lavar essa sua boca com sabão grosso”. Daí para frente sempre que a pronuncio sou repreendido pelo meu subconsciente.
Mas o nosso assunto é outro. Tem a ver com “safada”. Havia acabado de sair do meu local de trabalho, onde, eu e meus amigos travamos um colóquio sobre educação e o processo cognitivo do “ser-aluno” e do “ser-estudante”, dois predicativos bem distintos e que pode ser atribuído a uma mesma pessoa, embora isso seja uma exceção, pois a regra é atribuir-se apenas o primeiro; sai na companhia de minha esposa e dirigimo-nos até à parada mais próxima de transporte coletivo. Bem na parada há uma banca de revistas. Meus olhos compulsivamente não paravam de bisbilhotar as revistas que ali estavam expostas.
Meu cérebro ainda estava agitado pela conversação. Na verdade existia uma voz que não parava de falar aos meus ouvidos, dizendo: “vai logo e compra o livro, vai logo! Vai lá, pode ser que tenha esse livro”. O lá e o livro que a voz me dizia era a Livraria Saraiva e o Aprendendo Inteligência, do profº Pierluigi Piazzi. Mas resisti, pois o dinheiro que havia em meu bolso estava comprometido. Resistir me foi uma grande luta, uma vez que sou bibliófilo.
Nesse ínterim, entre a quase eterna espera pelo ônibus e a voz falando em meus ouvidos e meus olhos bisbilhotando as revistas, vi uma que me chamou a atenção. Na verdade foi o seu título que me impressionou. Impressionou-me muito mais porque as outras que estavam a rodeá-la eram revistas sobre Redação, ENEM, Concursos Públicos, palavras cruzadas... a impressão foi tão forte que finalmente sai do transe e consegui ouvir a voz de minha esposa, que por quase uma hora falava comigo sem que a escutasse. Catuquei-a e disse-lhe, apontando em direção à banca de revista – “olha só o nome daquela revista!” ao mesmo tempo em lia pra ela o título: “palavras safadas”.
Havia na capa um casal de homem e mulher, desse que são fertilizados in vitro no photoshop. Ele estava sem camisa, mostrando o físico perfeito e uma pele de causar inveja a um bebê. Ela, loira, corpo também perfeito, uma cabeleira de fazer qualquer mulher perder a sua de tanto cobiçar. Ambos se abraçavam. Ele, um pouco mais alto, inclinava levemente a cabeça e direcionava os olhos e a boca em direção a um dos ouvidos dela, como se estivesse a sussurrar-lhe “palavras safadas”.
Imediatamente, após ler o título para a minha esposa, a fim de situá-la, perguntei-lhe: “será que alguém comprará isso?!”. Ela respondeu-me como um tiro à queima-roupa: “há doido pra tudo nessa vida!!”.
Realmente ela tem razão. Se houve um grupo de doidos para escrever, revisar o texto, editar, imprimir, colocar em circulação..., então com certeza haverá ao menos um único doido para comprar.
Na looooooonga viagem de ônibus para casa, fiquei refletindo sobre o uso das palavras. Em minhas elucubrações cheguei a seguinte conclusão: quem cria as palavras, quem as dá sentido, quem as normatiza, quem as usa... é o homem, logo as palavras já mais podem ser safadas, no entanto o seu criador, sim, esse pode.
Ps.: 28/04/14
                                                                          
Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 28/04/2014
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