Manoel Barreto

Escrever é meu divã. Escrever é meu teatro. Não me procure em minhas palavras, pois não me econtrará

Textos

FUMANTES DE CLASSE
  

Não há como negar o glamour e a sedução ainda persistente à Doca de Souza Franco. Daí certa pessoa pública, intitular-se o “tarado por Doca”. A Doca, como é mais conhecida, tem muitas histórias escritas em minha memória. Crie-me por essa redondeza. Sempre que, em minhas andanças, adentro o seu recinto, algo inevitável acontece: lembro-me de minha adolescência.


Muita coisa mudou de lá para cá. Mas há uma coisa, um das poucas coisas, que insiste permanecer ali, quieta em seu cantinho. Refiro-me a “A TABAQUEIRA”.


Esse estabelecimento ainda permanece “quase” tal qual era em anos idos. As cores, as letras em sua fachada, os balcões, o cheiro forte de tabaco; acho que até os funcionários ainda são os mesmo.


No entanto, uma coisa chamou minha atenção: em sua parede que serve de arrimo para a Rua 28 de setembro, há uma pintura, quase que caricaturas de algumas personagens da História, exibindo-se com seus enormes cigarros acessos, e uma frase, quase que rascunhada, dizendo o seguinte: FUMANTES DE CLASSE.


Fiquei a imaginar os vetustos comerciais de televisão sobre o cigarro. Eram propagandas deletérias à vida, à saúde e à integridade física não só a quem fumava, mas também a quem estivesse por perto da cruel e venenosa fumaça. Eram publicidades embusteiras, que precisavam lançar mão de personagens públicos para camuflar a pérfida intenção dos donos de tabacos.


“Fumantes de classe”. O que há por detrás dessa frase? Será uma nobre intenção? A qual classe de pessoas a frase se refere? Quem é a pessoa ou quem são as pessoas idealizadoras desse enunciado? Qual o estilo de vida que elas vivem? Qual o significado de vida para elas?


Indago-me de maneiras diversas, haja vista não poder usar de desídia intelectual, a qual me levaria a um simples balançar de cabeça, tal quais os quadrúpedes que representam um presépio, em épocas natalinas, e convir com atitudes inescrupulosas, egocêntricas e avaras.


É lógico que nem sempre fui assim, malgrado os esforços feitos por pessoas que me amavam. Infelizmente, cada pessoa tem o seu momento para despertar de sua letargia; embora algumas nunca se despertem. Não há uma data ou ano de vida específicos para que a razão venha à luz: tipo assim, sair da caverna e ver como de fato são as coisas, e não somente as sombras delas.


Propagandear, incentivando o consumo de cigarros diante de todas as estatísticas fúnebres ocasionadas pelo uso do tabagismo é veementemente urdir contra o direito à vida e à saúde. É privilegiar o enriquecimento ilícito, em detrimento do bem estar social.


Não tenho nada contra as pessoas, que usando de seu livre arbítrio, intoxicam-se com o alcatrão e a nicotina, entre outros tantos venenos. Indigno-me contra todos aqueles que usam de artimanha sagaz, a fim de enredar pobres almas inocentes; para precipuamente inflarem seus bolsos de um dinheiro sujo, dinheiro vil, dinheiro homicida.


Para esses seres humanos atípicos (pois entendo que o conceito de ser humano típico traz em si, imanentemente, a comiseração) não há falar em tristezas e sofrimentos alheios; só há falar em satisfação própria ainda que para isso outros tenham que adoecer, sofrer, morrer...


“Fumantes de classe”. Assim pesava eu em outros tempos: que o ato de fumar era símbolo da virilidade masculina, que o ato de fumar era símbolo da intelectualidade, que o ato de fumar era símbolo da prosperidade... Ledo engodo, meus caros, ledo engodo! Não precisamos lançar mão de vício algum para ser feliz.


A felicidade, a virilidade, a prosperidade, o amor são metas a serem alcançadas. É toda meta requer primeiramente a dor, para em seguida, o prazer. Isso é virtude. Quando se tem primeiramente o prazer, haverá de vir, em seguida, a dor. Isso é vicio. Gosto muito desta frase: “A virtude é quando se tem a dor seguida do prazer; o vício, é quando se tem o prazer seguido da dor” (Margaret Mead).


Não estou aqui querendo discutir se há ou não há prazer no ato de fumar. Estou simplesmente dizendo e redizendo que o ato de fumar levará os seus viciados a dor, caso não se retratem. E todo aquele que padece nas mãos da dor, não padece sozinho; haverá outros que padecerão juntamente da mesma dor ou até mesmo de uma dor mais intensa, sem nunca terem tocado em um cigarro; são aqueles espectadores, que veem seus queridos suicidarem, sem poder fazer nada, a não ser suplicar que abandonem tal vício.


Fumar é coisa do passado, mas infelizmente sempre haverá os nostálgicos. Aqueles que sentem saudades de um passado que não voltará mais. Assim se dá com a velha TABAQUEIRA (Interpretem, meus caros, como queiram essa última frase, lancem mão da ambiguidade nela existente) presa há um passado, no qual se acreditava só havia glamour na vida de quem fumava.


“Fumantes de classe”. Classe de pessoas mortas, mortas por que foram, apesar de toda intelectualidade, enganadas por outras pessoas mais sagazes. Sagazes, tal qual a serpente no Éden.
Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 28/08/2014
Alterado em 28/08/2014
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